3 de março de 2012

Um dia acontece - Cecília Egreja

Pronto! Fiquei velha. Um dia isto tinha que acontecer.

Mal vi o tempo passar. Não que eu não o tivesse aproveitado, ao contrário. O tempo voou enquanto eu andava por aí, contemplando a vida.

Eu nem se quer havia me decidido sobre o que queria ser quando crescer e cá estou, com rugas gritando no canto da boca e escondendo cabelos brancos sob tintas. É triste, mas ainda assim sou eu e me reconheço no espelho. Não mudei a cor dos meus cabelos para aquele famoso loiro médio mijo, muito comum nas senhoras da minha idade e nem tampouco parei no tempo.


Estes dias me disseram que sou uma eterna adolescente, fiquei sem saber se era um insulto ou um elogio... Não tenho a menor vontade de voltar aos meus dezoito, só quem não bem viveu que acalenta este desejo. Eu não. Eu me orgulho dos anos que vivi e odiaria negá-los...


Mas aqui estou, felizmente. Só não fica velho quem morre cedo. Melhor é viver. Para mim, viver sempre foi uma alegria. Conviver, nem tanto... Mas sobrevivi.


Nestes anos de biografia fui compondo minha cartilha e agora releio feliz as lições aprendidas.

É realmente maravilhoso ... Veja bem, ainda que a beleza tenha se desbotado com o tempo, estamos muito menos preocupados com a opinião alheia.

Respeitamos bem mais aquilo que o outro pensa, mas ao mesmo tempo temos noção do que somos, sabemos o que não somos, e principalmente que podemos mudar, se assim nós quisermos. Ninguém mais tem o poder de nos fazer sentir humilhados por uma bobagem qualquer.

Outra evidência da maturidade é que somos infinitas vezes mais tolerantes com os fracos e igualmente intolerante com os arrogantes.

O desprezo passa a ser nossa vingança. Simplesmente apagamos de nossas vidas aqueles desprovidos de caráter. Não perdemos tempo com lamentações ou falatórios.

Somos melhores companhias para nós mesmos do que aos vinte. Por esta razão, ficar em casa num sábado à noite não é mais uma tragédia e nem um prenúncio dos fins dos tempos.

Nossos relacionamentos são mais saudáveis. Achamos ridículo mentir, somos mais objetivos e mais claros em nossas intenções. E quando amamos verdadeiramente, nos entregamos por inteiro...


Oferecemos ao outro o amor em toda sua plenitude, mas respeitamos nossa individualidade. Aprendemos que quanto mais tentamos controlar a vida alheia, mais perdemos o controle da nossa.


Os amigos já foram peneirados pelo tempo. Percebemos que temos no máximo cinco amigos e não mais de cem como pensávamos. Reconhecemos naqueles que restaram a verdadeira lealdade. Há sempre um bocado de gratidão entre os velhos amigos, muito já foi trocado, e esta troca faz da amizade um foco de luz em nossos caminhos, nos faz mais fortes e seguros.

Nossos pais já não são mais nossos censores cruéis. Por vezes, até se orgulham da gente. E nós passamos a agradecê-los por cada dia vivido...


Minha memória anda um tanto prejudicada, mas sempre me lembro daqueles que não me deixaram esquecer quem eu sou.


Ainda tenho em mim a paixão pela vida e a esperança de menina.


Pensando bem, eu não estou velha. É que nasci cedo demais.


(Cecilia Egreja)

Um comentário :

  1. Adorei o texto! Me identifiquei com muitas partes. Grande escritora! Abraços

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